5 coisas que eu gostaria que os pais dos meus alunos soubessem

uma querida amiga, que também é professora, há pouco me mandou esse texto, chamado ‘5 coisas que a professora do seu filho gostaria que você soubesse: ele pode fazer mais do que você pensa‘, um ótimo e introdutório texto sobre o triângulo pais-crianças-professores, independente da fase da vida escolar da qual façamos parte. como eu concordo com os cinco itens elencados pela camila, fiquei pensando sobre essas questões e resolvi adicionar mais algumas coisinhas a ele, baseadas única e exclusivamente nos meus dramas  nas minhas experiências em sala de aula e relacionamento com os pais.

1. eu acredito no seu filho.

esse primeiro item bate de frente com o terceiro da camila, mas só porque ambos são complementares e dependem de cada caso. ainda que crianças sejam seres extremamente imaginativos e criativos, a não ser que seu(sua) filhx chegue na escola contando que um dinossauro azul fantasiado de peppa pig tomando sorvete de chocolate apareceu na sua casa ontem, eu vou acreditar no que elx diz. coisas importantes para a minha organização e administração da coisa toda são conferidas, é claro, como sair da escola com algum colega, viagens, doenças etc, mas, de resto, eu acredito. aí você pode se perguntar: ‘mas por que ela acredita, criança diz cada uma…’. oras, eu acredito porque é com elas que eu convivo. eu acredito porque elas precisam acreditar em mim também. eu acredito porque é tudo que eu tenho.

2. eu não posso ficar doente. nunca.

eu já recebi criança de quatro anos usando fralda [isso, isso mesmo, fralda! fralda! fraldaaaa!] porque estava com diarreira, criança espirrando umas melecas verdes absurdas, criança que “passou a noite inteira acordada com febre mas a gente mediu agora de manhã e tá normal”, criança com olho vermelho, inchado e secreção, criança com umas perebas que manooooo quequé isso?!?!, criança em tudo quanto é estado de saúde. certo. eu sei que everyone’s got to make a living e que não é exatamente simples para os pais deixarem uma criança doente em casa mas, acreditem, é muito mais complicado mandá-la para a escola. tem a questão de saúde dos colegas, que é importante, é claro, mas acreditem de novo, a minha [e de todos os adultos que convivem com as crianças dentro da escola] é mais, muito mais. a questão é matemática e simples: uma professora sem um, dois ou cinco alunos na sala segue fazendo seu trabalho normalmente. dez, treze ou dezoito alunos sem professora têm suas rotinas alteradas, sobrecarregam a assistente [ou a professora, caso seja a assistente que esteja doente], ficam sem parte do conteúdo e ainda causam preocupação nos pais, que querem saber o que aconteceu, quando ela volta, quem cuidou das crianças, se ficou tudo bem etc etc. long story short, eu não posso cuidar do seu filho doente porque se eu ficar doente eu não posso cuidar da sala. e eu não sou professora particular. eu sou professora de sala.

[uma vez aconteceu uma epidemia de virose na escola. um dia, uns oito ou nove funcionários, entre assistentes e professores, faltaram. simplesmente não tinha gente suficiente para cuidar de todas as crianças e a coordenação teve que rebolar loucamente para rearranjar os funcionários que estavam presentes. nesse dia, minha assistente foi realocada e eu passei a manhã sozinha com dezesseis crianças. é isso que acontece quando criança doente vai para a escola. DE NADA.]

3. eu não abro a mochila do seu filho deliberadamente.

eu tenho a impressão de que alguns pais acham que eu faço uma varredura em todas as mochilas, de todos os alunos, todos os dias, de fevereiro a dezembro. acredite, eu não faço. o máximo que eu e a teacher lymda fazemos é abrir a mochila e pegar a agenda da criança rapidamente, logo quando ela chega à escola. e por que a gente faz isso? tcharãm, para. ver. se. tem. algum. recado. se não tiver recado algum, aquele pacotinho, aquela tiarinha, aquela fantasia do batman que está lá dentro sem lenço e sem documento continuará ali. vira e mexe eu leio recados do tipo “ontem mandei o presente de aniversário do joãozinho mas ficou na mochila…” e tudo que eu penso é que ter escrito, no dia anterior, “segue presente para o joãozinho” é uma frase muito mais curta de se escrever. entenda que eu fico entre invadir sua intimidade e fazer meu trabalho direitinho, que inclui repassar objetos e recados. desta forma, se houver alguma coisa na mochila do seu(sua) filhx que eu precise ver, é bacana avisar. just sayin’.

4. se seu filho não tem modos, eu acho que a culpa é sua, sim.

existem muitos textos, textões, posts e demais gêneros textuais do século XXI discorrendo sobre a educação das crianças francesas jogados aí pela internet. a impressão que dá é que as crianças francesas, aos três anos, sabem comer lagosta à mesa com um guardanapo de tecido no colo. HAHAHAHAHAHA du-vi-do. mas se tem uma coisa da qual eu não duvido são bons modos mínimos. ao longo dos anos, eu tive que baixar tanto minha expectativa em relação a educação mínima e etiqueta que, hoje, uma criança que senta para comer já enche meu coração de alegria. gente, pelamordedeus, eu não tô pedindo muito. são vinte ou trinta minutos sentados ao lado dos amigos [eu não sento] comendo fruta, tomando suco e comendo uma porção de carboidrato [pão, bolo e tals]. se seu filho não consegue ficar sentado durante esse tempo, se não consegue comer pão francês sem picá-lo antes ou comendo só o miolo, que é molinho, se ele surta ao ver uma semente de melancia, vocês me desculpem, mas eu acho que o problema é de vocês, sim. eu não sei o que os meus alunos comem em casa. eu não sei como essa comida é preparada. mas, olha, minha geração inteira comeu coisas duras com semente e, ainda assim, nós somos a geração mais preguiçosa da história. de modo que eu não sei o que vai acontecer com os filhos de vocês. não sei mesmo.

5. eu sei de coisas que você não sabe.

para isso, eu não tenho uma formação especial. não aprendi nada na faculdade, no mestrado, em cursos livres etc. eu simplesmente não sou da sua família e tenho que lidar apenas com o comportamento social que seu filho tem. pode pensar em mim como o primeiro chefe do seu filho, eu não me importo com a alcunha. mas talvez, TALVEZ, eu saiba de mais coisas do que você. eu sei qual é o jogo que seu filho joga. eu sei como ele se comporta sem um responsável por perto. eu sei, talvez mais do que você, que tipo de ser humano ele se tornará. e, talvez, eu possa estar errada.

bonus-coisas que eu gostaria que os pais dos meus alunos soubessem: eu não faço a menor ideia do que eu estou fazendo. assim como você. talvez este vire um post eterno. 😉

*os nomes das crianças são fictícios e o nome e localização da escola jamais são mencionados neste blog por questões de proteção à intimidade.

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