rituaizinhos

há alguns dias um amigo me contou sobre o ritual do banho do filho dele, que inclui, entre outras coisas, lutar sumô de cueca [só a criança? meu amigo também? melhor não saber?] antes de entrar no chuveiro. imediatamente me perguntei se eu e a patotinha temos algum ritual na escola e a resposta foi um automático ‘não’, mas depois de pensar mais um pouco percebi que sim, temos vários rituais. a saber:

– ‘não engana’: consiste em o ajudante do dia distribuir as escovas e pastas de dentes ameaçando dar a escova e a pasta de um para outra criança, de modo que esse um, ao perceber que o ajudante tem seus pertences em mãos, começa a falar ‘não engana, não engana!’ e, quando finalmente os recebe, fica bravo com o ajudante. todo santo dia a distribuição de escovas demora um tempão e é uma gritaria de ‘não engana’ de um lado contra a risada de satisfação do ajudante. eu até tentei argumentar que se todo mundo fica bravo, melhor parar de enganar e dar a escova e a pasta direto para o dono, mas como todos enganam quando são ajudantes e todos ficam bravos quando não são, deixei quieto. eles que são brancos ricos que se entendam.

– ‘a caixa da treta’: consiste em, após a escovação, organizar as escovas e pastas dentro da caixa onde as guardamos de uma forma que para mim não faz o menor sentido, mas para eles, evidentemente, faz todo o sentido do mundo. até agora consegui entender que umas escovas são reis, outras são rainhas, se colocadas em sentido vertical significa prestígio na praça e, na horizontal, treta [deve ser a criadagem, sei lá]. eles discutem enfaticamente sobre a posição das escovas e minha deixa para interromper a discussão é a beatriz ou a luiza se exaltarem, porque aí eu sei que rapidamente passaremos do estágio ‘treta saudável’ para o ‘sangue nas paredes’. minha intervenção consiste em um breve ‘ok, podem parar’ e chacoalhar a caixa para desfazer a organização deles. eles caem na risada e ficam vendo [a caixa é transparente] em que parte da caixa seus pertences vão parar. sai vitorioso aquele que, mesmo após o chacoalhão, tem sua escova numa posição de prestígio.

– ‘parque de maiô’: consiste em, em dias de chuva, alguém chamar a atenção para o fato de que não poderemos ir para o parque, eu responder ‘só se for de maiô ou sunga, né?’ e eles rirem até se matar muito provavelmente se imaginando de roupa de banho correndo pelo parque. na verdade, no começo do ano só eu falava ‘só se for de maiô ou sunga, né?’, mas agora sempre tem um que fala antes e todo mundo ri como se fosse a primeira vez.

[nota mental: fazer um ‘dia do maiô’ quando o tempo melhorar.]

– ‘o suco maldito’: esse se desdobra em vários rituais menores. eu, que amo suco de acerola, sempre torço para que tenha suco de acerola no lanche, ao que eles respondem com imensos ‘nããããããão’, ‘argh’, ‘blergh’, ‘eu odeio suco de acerola’, ‘suco de melancia! suco de melancia!’. quando vamos tomar lanche e não tem suco de acerola, eu finjo chorar e eles dão risada da minha cara, bebendo seu suco com satisfação. quando tem, eles lamentam, metade nem toma e a outra metade bebe um gole com o único objetivo de confirmar seu ódio pelo suco, fazendo micagens e carinha de nojo olhando para mim, é claro.

– ‘o que tem de almoço?’: como mais da metade deles almoça na escola, durante o lanche eles pedem para que eu veja no cardápio que fica colado na parede do refeitório o que vai ter de almoço. macarrão, strogonoff, lasanha, panqueca e purê de batata são sempre celebrados com vários ‘êêêêêê!’, ‘uhuuuu’, ‘ebaaaaa’, enquanto seleta de legumes, abobrinha, purê de abóbora e qualquer coisa com berinjela no nome causa tristeza e revolta na mesa.

– ‘presença de rodrigo’: rodrigo é o amigo imaginário do pedro. todo dia quando fazemos a chamada perguntamos para o pedro se naquele dia o rodrigo está na escola ou não, e é ele que nos diz se o rodrigo ficou dormindo em casa ou se está ali do lado dele. como todos aceitamos o rodrigo integralmente em nossa vida, quando o pedro falta somos nós quem decidimos se o rodrigo está lá e o pedro nem fica sabendo que seu amigo imaginário foi para a escola sem sua autorização. hihihihi.

só consegui lembrar destes, mas com certeza temos mais rituaizinhos espalhados pelo nosso dia-a-dia. de qualquer forma, é gostoso pensar nestes hábitos que não são parte da nossa rotina per se, mas a colorem com graça, humor e nossa ‘marca pessoal’: é claro que todas as outras turmas escovam os dentes, gostam ou não de certos sucos e comidas e sabem que nos dias de chuva não dá para ir para o parque, mas enganando, fazendo micagens para suco de acerola e abobrinha e falando de maiô e sunga em dia de chuva é só a gente que faz. nosso ~jeitão~.

 

* os nomes das crianças são fictícios e o nome e localização da escola jamais são mencionados neste blog por questões de proteção à intimidade.

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