machismo de papel crepom

primeiramente, olaaaaar.

segundamente, um breve resumo da minha vida nos últimos meses: terminei de escrever minha dissertação de mestrado ao mesmo tempo em que trabalhava loucamente, defendi a dita-cuja, comecei a namorar, aproveitei meu tempo de depressão existencial pós-mestrado avec vazio intelectual trabalhando, dormindo, namorando, estudando para o CPE e postando fotos no instagram, entrei de férias, reorganizei minha vida INTEIRA, dormi mais, aprendi a fazer gin tônica e strogonoff, voltei a trabalhar. fim.

terceiramente, como agora eu sou uma deusa do time manegement e consegui zerar minha lista de afazeres durante as férias, estou com tempo de sobra para adiantar tarefas que nunca na vida eu adiantei, de modo que acabo de criar um banco de imagens com as coisinhas e decorações que eu pretendo fazer com as crianças no carnaval, páscoa, dia das mães e festa junina. você sabe o que vai fazer em junho? pois é: eu sei.

enfim, fui atrás de tudo isso no pinterest, é claro. carnaval? fácil. páscoa? nuss, tô vendendo ideia a R$5,00. dia das mães? dia das mães?! hm. vamos lá.

se não fosse pelas palavras “mãe” e “mother” presentes nas imagens, qualquer um juraria que eu estava pesquisando decoração para o dia dos namorados. só tem coração e flor, coração e flor, coração e flor, coraç… e eu estava atrás de umas coisas elaboradas, que fugissem do óbvio, já que este ano vou ter uma sala grande com um pé direito altíssimo, um janelão, espaço e tempo de sobra para me dedicar a isso. achei coisas bonitinhas? achei. mas só de coração e flor, coração e flor, coração e flor.

fui pesquisar, então, decoração e presentes de dia dos pais, afinal, seria só trocar “pai” por “mãe” e pronto, my work is done. superheroi, gravata, superheroi, gravata, superheroi, gravata e, pasmem, carteira. no ano 16 do século XXI, senhoras e senhores, mãe dá amor e pai dá dinheiro. não tenho nada contra corações no dia das mães, nem gravatas no dia dos pais, o problema aqui é outro: eu não posso – ideologicamente falando – reduzir pais e mães a dois estereótipos que contribuem firmemente para a manutenção do abismo social entre homens e mulheres. se eu não devo falar que azul é cor de menino e rosa é cor de menina para os meus alunos, eu também não devo afirmar, nem mesmo através de tiras de papel crepom, que carteira é coisa de homem e flor é coisa de mulher.

um outro ponto é que quando lindas cortinas de corações rosas e vermelhos são atribuídas apenas às mulheres, muito sutilmente e ano após ano, eu estou afirmando para um bando de crianças que para encontrar o amor, carinho, aconchego e afetividade que todos nós tanto precisamos sempre e para sempre, é para as mães delas que eles devem correr, frageis e doces fazedoras de cupcake vestidas de vestido floral e batom cor de boca prontas para tomar todas as dores dos outros para si mesmas. aos pais, atribuo via girlanda de gravatinhas, o papel de ser forte, invencível, poderoso, incansável, trabalhador e ryco, a quem as crianças devem recorrer quando quiserem um brinquedo novo ou estiverem sendo perseguidas por alienígenas sanguinários.

as pessoas podem ser o que bem entenderem, é óbvio, inclusive um esteriótipo ambulante; para ser contra um estereótipo não é preciso andar 180º graus e ser o avesso daquilo. é a redução que me preocupa, principalmente quando esta é bombardeada na cara de crianças muito novas ainda para relativizar e ponderar sobre questões sociais. esta imagem de mãe que cuida e ama e pai que sustenta e protege, além de ser irreal, pressiona desgraçadamente mulheres e homens que não são amáveis e invencíveis o tempo todo como as ideias de decoração do pinterest sugerem. são mulheres e homens que também são – e com todo o direito a sê-lo – distantes e medrosos, provedoras e afetivos, displicentes e neuróticos, e é preciso que meus alunos saibam disso.

já passou da hora, meus caros postadores de ideias de decoração no pinterest, de abrirmos este leque de possibilidades, não? não adianta nada uma foto de um menino brincando de boneca circulando e todo mundo achando lindo ao mesmo tempo em que não tem um só cartão de dia dos pais com a imagem de homem com uma criança no colo. se às crianças é permitido que meninas brinquem de carrinho e meninos de casinha, por que homens e mulheres seguem saídos de um anúncio publicitário dos anos 50? 

se está no meu papel de professora diluir a desigualdade de gênero entre os meus alunos, faz parte desta tarefa, também, diluir a desigualdade de gênero na imagem que eles criam de seus pais, nem que para isso eu tenha que cortar corações de papel vermelho e rosa em maio e em agosto. amor é amor.

* os nomes das crianças são fictícios e o nome e localização da escola jamais são mencionados neste blog por questões de proteção à intimidade.

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