o diabo veste munch

todos assistimos ‘o diabo veste prada’, certo? certo. pois bem, eu assisti umas 20 vezes.

eu bem que queria ter encontrado a minha filosofia de vida nos ensinamentos de buda, no domínio estético de bauhaus, nas palavras do joyce, nos filmes do kieslowski, nas notas do rachmaninoff, mas não. eu encontrei em ‘o diabo veste prada’ mesmo. pois é, caras, vamos ter que lidar com isso. é só dar uma apertadinha que o nosso lado negro espirra para todos os lados. ah, mankind! ❤

no filme, a andy [anne hathaway] está lá toda se ferrando sem saber o que a miranda [meryl streep] quer, trombando com as pranchas de surfe das gêmeas nos transeuntes, vestindo as roupas erradas, alheia à existência do azul cerúleo, pedindo para soletrar gabbana, etc etc. aí ela tem a brilhante ideia de ir até o escritório do nigel [stanley tucci] reclamar da chefe. pimba! bad, bad choice, andy. porque ela chega lá toda pobre-de-mim, com um neon escrito ‘mimimi’ pendurado no pescoço e o nigel vira pra ela e fala:

andy, be serious. you are not trying. you are whining. [continua uma fala incrível que eu não vou reproduzir integralmente aqui por motivos de: a mensagem já está dada]. depois disso ela resolve cortar a franja mais linda da história do cinema ocidental, pendura a bolsa chanel de franjas no ombro e vai à luta. isso, andy, tá certinha.

taí minha filosofia de vida. se tem uma coisa que eu não aguento na vida é gente que choraminga, que faz drama, que reclama de tudo, que se vitimiza o tempo inteiro. é como eu lido comigo mesma. como a invenção do navio foi também a invenção do naufrágio, às vezes a gente falha, é claro. mas o recado está dado: faz um rabo de cavalo, passa um secador nessa franja e vá à luta.

tudo isso para dizer que esse ano eu tenho dois alunos que choramingam o tempo inteiro. sabe criança cuja única reação é reclamar e sofrer? então, tenho dois e confesso: respiro fundo, arrumo a franja [sim, eu tenho. sim, é parecida com a da andy. sim, é obra da bruna, do novo arte, vão lá], repito ‘I love my job’ três vezes e só aí vou ver qual é o motivo de tanto sofrimento. porque eu não tenho paciência mesmo. minha primeira reação seria soltar um ‘mano, chorando eu não quero nem saber o que aconteceu’ e sair andando. mas eu não posso, né? é meu job [alô, designers!]. então eu cato as migalhas de paciência do chão e vou conversar com essas crianças.

daí que em duas semanas de aula eu já lidei com crises cujas origens residem em questões como >

1. os 8 pingos de água que caíram no braço da marta quando a clara esbarrou nela com o copo d’água;

2. a pasta de dente do cocoricó que o ricardo não gosta mas que é a pasta que a mãe dele mandou para a escola;

3. o pãozinho com gergelim servido de lanche [segundo o ricardo, eu deveria ter tirado os grãos de gergelim antes de dar o pão para ele. RISOS. RISOS AGAIN. acho que vou abrir uma cerveja.];

4. a recusa da marta em guardar o brinquedo porque nós íamos embora;

5. o lápis grafite cinza que o ricardo recebeu quando ele queria o lápis preto;

6. e por aí vai.

lidar com essas crianças tem sido um exercício de paciência e o foco das minhas abordagens nunca é resolver o grande problema que elas me apresentam, mas sim a grande reação que elas têm frente às menores e mais torpes questões da vida. ‘ai, mas para elas essas coisas podem ser importantes, né?’, um alguém mais jai guru deva ohm pode me dizer. e eu replico: o mundo, a vida, te cobram mesmo é uma franja boa, uma bolsa chanel no ombro e a luta diária contra os carbs do creme de milho, caras. não vai ter ninguém para caçar o gergelim no pão do ricardo quando ele crescer, chore o quanto chorar. é ele quem vai ter que fazer isso.

o que eu vou tentar ensinar a essas crianças esse ano é que o mundo é isso aí e o que a gente faz com ele. cada grande reação é um grande desgaste, um grande dreno de energia que não precisa ser gasta com a pequenez da vida. na reclamação e no choro, a gente recebe pouco, muito pouco. mas a ação… ah, a ação! ❤

pois essa vai ser minha maior bandeira este ano. pelo fim do mimimi infantil. porque a cada choramingo que eu ouço, eu fico parecida com esse carinha aqui, com direito a mão no ouvido e tudo >

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* os nomes das crianças são fictícios e o nome e localização da escola jamais são mencionados neste blog por questões de proteção à intimidade.

7 opiniões sobre “o diabo veste munch

  1. Hahahaha, amei. Tenho sentimentos conflitantes sobre esse filme/livro, sabe? Amo até essa parte aê, que ela resolve assumir a bronca e ir lá ver qualé. Mas daí a família e ela mesma, entram numa onda mimimimi tanto trabalho, bububu, coitadinha, aí chefe malvadinha, ai que vida complicada, daí perdeu meu respeito. Seu post tá uma delícia. Não sei bem como vc aguenta, mas graçadeus vc aguenta. Especialmente quando a educação dos pequenos passa – tem de passar – pela educação dos grandes. E… sei lá. Ando meio sem paciência (aqui todos chilicam de dar risada). Ontem, em meio a queridos e abraços e risadas, o mundo saiu lá donde ele tava pra me lembrar que babaquice e arrogância, se não curadas cedo, não curam mais. Então, que bão que essas creoncinhas te acharam. Há solução. (se bem que fica de olho nesse menino do gergelim, isso é típico de quem vai virar marido que chilica por causa da marca do requeijão. talvez, no dia que ele marcar casamento, vc deva mandar um bilhete pra muié na base do “fia, eu tentei, vê bem onde tu vai te meter. de qrr forma, não vire a responsável pelas compras”).

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    • [ain, um comentário seu, que emoção! <3]

      eu tbm não sei como eu aguento porque, fora da escola, tenho vontade de mandar lavar uma calçada mesmo, seja criança ou adulto. acho que encarno a profissional mesmo. esses momentos me lembram de que isso aí é meu trabalho. porque é tanta coisa e legal e bonitinha todo dia que essa fronteira trabalho/paixão pelo trabalho se dissolve, sabe? aí vem um chilique e eu lembro de que eu sou paga pra fazer isso e de que se eu agir como eu agiria fora de lá, eu crio um problema. um problema pra mim. eu posso até ser demitida se a coisa degringolar.

      acho que escolher um trabalho passa por escolher o tipo de problema com o qual vc quer e consegue lidar, né? a gente encarna a profissional e não manda o cliente ir catar coquinho numa situação que mandaria o amigo. respira fundo e escreve um e-mail educado. faz parte da vida, acho. faz parte do não-chilique. escovar os dentes, passar um secador na franja, tomar um café e mandar o e-mail profissional, mesmo quando a gente quer mor-rer. eu vou lá com toda calma do mundo dizer que não tiro gergelim de pão, que ele que tire se quiser, quando minha vontade é colocar ainda mais gergelim.

      vâmo vivendo, sem chilique, né? 🙂

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  2. ricardo, eu não vou catar o gergelim no seu pão por motivos de: 1) não tô a fim; 2) cata você; 3) aprende a comer gergelim; 4) tenho mais o que fazer, nem que seja assistir você lidando com isso.

    a propósito: estou super de acordo. inclusive com essa parte de ter que lidar com a 'poesia', 'filosofia' etc. que surge de fontes improváveis. aceitemos.

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